Idade Média, Arte Românica e Arte Gótica por Rosângela Vig

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

A Arte da Idade Média – PARTE I – Roma Ocidental

Qual homem que enxerga maravilhas em sonhos e uma vez acordado retém na memória apenas a impressão de haver divisado maravilhas, sem que o todo dela lhe retorne à mente? – assim comigo ocorreu. (ALIGHIERI, 2004, p.335)

Em meio a um período de incertezas, o poeta Dante Alighieri (1265 – 1321) viveu seu próprio inferno, dividido entre a Cultura Clássica da Antiguidade e a Cultura do Cristianismo do final da Idade Média; em meio às injustiças sociais de sua época e à busca por sublimidade espiritual e ética; e seu sofrimento, pela perda de sua amada Beatriz. Estruturado na forma épica, o poema foi escrito em Italiano e teve fundamento filosófico. Na história, Dante é levado por Virgílio, seu autor clássico preferido, do purgatório ao Paraíso, onde encontra seu grande amor. A obra projetou o pensamento a respeito dos conflitos espirituais do homem do final da Idade Média, na dualidade entre a razão e a fé, e antecipou o pensamento Humanista do Renascimento.

Prolongada por dez séculos, a Idade Média teve início em 476, quando o Império Romano Ocidental caiu em poder dos bárbaros. E, embora não haja um consenso, estima-se que a tomada de Constantinopla (atual Istambul) pelos Turcos, em 1453, e o término da Guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra, tenham marcado o fim desse período, considerado o mais longo da História. Pode-se levar em conta duas fases dessa época, a Alta Idade Média, até o século XI e a Baixa Idade Média, do século XI ao XV, embora há historiadores que consideram três fases. A Arte Ocidental de então se apresentou principalmente em dois estilos, o Românico e o Gótico. Em Roma Oriental, por sua vez, floresceu um estilo único e belo, a Arte Bizantina, que será explorada mais adiante.

Arte Românica ou Estilo Românico – séculos IX a XIII

Os séculos que se seguiram à queda de Roma foram de incertezas, em meio ao declínio do mundo antigo e o desaparecimento quase por completo, da Cultura Clássica. No ano de 800, entretanto, a coroação de Carlos Magno, pelo papa Leão III, levou a um grande crescimento do Ocidente. O imperador promoveu a educação, preservou o legado Greco-romano e fomentou o desenvolvimento artístico.

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Em seu império, além da Academia Literária, foram criadas oficinas ligadas ao palácio, cujo objetivo inicial era a confecção de manuscritos e de textos sagrados, uma vez que eram escritos e ilustrados à mão. Essas oficinas se tornaram centros de Arte e, após o reinado de Carlos Magno, essas atividades se concentraram nos mosteiros, que funcionavam como escolas de Arte, onde se ensinavam, além da confecção de livros, a pintura, a escultura, a arquitetura, entre outras atividades, em que se incluíam até mesmo o fabrico de sinos.

Ainda sob influência da Arquitetura romana, o estilo românico apresentava os arcos cruzados, o uso de abóbadas e de pilares maciços, para uma boa sustentação, além de paredes espessas e de aberturas estreitas para as janelas. As Fortalezas de Deus, como eram chamadas as igrejas, tinham bases estruturais sólidas e robustas e ficavam em locais de peregrinação, como a Abadia de Saint-Pierre, no trecho francês do Caminho de Santiago de Compostela.

Fig. 1 – Vista da Capela-mor da Catedral de Pisa, na cidade de Pisa Itália, construída entre 1064 e 1118. A Figura de Cristo está ao fundo, num gesto de benção. Arte românica e arte gótica.
Fig. 1 – Vista da Capela-mor da Catedral de Pisa, na cidade de Pisa Itália, construída entre 1064 e 1118. A Figura de Cristo está ao fundo, num gesto de benção. Arte românica e arte gótica.

O fato das abóbadas e das paredes das igrejas serem espessas e amplas, favoreceu a pintura de murais, por meio da técnica do afresco (Fig. 1). Neles, o tema era o mesmo dos livros; havia episódios da História Sagrada; não havia animais, nem cenas de atividades diárias. Aos moldes da obra Romana, o artista deveria narrar os fatos, incluindo ali, uma interpretação mística da realidade. Os personagens eram apresentados em tamanhos diferenciados, Cristo aparecia em tamanho maior e, para reforçar o gesto de abençoar, seus braços normalmente eram apresentados em tamanho exagerado. Havia uma certa noção de profundidade, mas como o foco não era a imitação da natureza, a ideia de sombra não era reforçada. Nos trabalhos do final do século XII, percebe-se que as formas se tornaram sólidas e padronizadas.

A Escultura desse período complementava os espaços sagrados, compondo fachadas e portais com cenas de passagens bíblicas, numa tentativa de causar impacto visual. Assim como na pintura, havia uma hierarquia das figuras, de acordo com seu valor simbólico.

Arte Gótica ou Estilo Gótico – séculos XII a XV

Passamos do Nono Céu para o Empíreo, que é luz pura, luz espiritual, plenitude de amor, amor ao verdadeiro bem, bem da completa alegria, alegria que sublima todas as dores. Aqui verás as duas milícias do Paraíso – os anjos e os bem-aventurados. Uma delas hás de ver na forma com que se apresentará no Juízo Universal. (ALIGHIERI, 2004, p.325)

Fig. 2 – Detalhe da Catedral de Chartres, França. Arte românica e arte gótica.
Fig. 2 – Detalhe da Catedral de Chartres, França. Arte românica e arte gótica.

Na Europa Ocidental, até o século XII, a vida se desenvolvia no campo. Os mosteiros eram os locais onde ficavam as bibliotecas, onde a Arte era ensinada, divulgada e executada. A partir do século XII no entanto, o comércio promoveu um desenvolvimento das cidades e com isso, o surgimento da burguesia, composta pelos comerciantes. As cidades passaram a ser locais de discussões sobre fatos, sobre ideias e sobre pensamentos. Ao lado dos novos conhecimentos, a Arte ganhou maior vigor. Nesse contexto, o estilo Gótico emergiu, em oposição ao Românico, como uma modificação na arquitetura e, ainda que tenha causado estranheza na época, hoje é considerado um dos mais belos e cheios de significações.

Na forma, a beleza única e inconfundível da Arquitetura Gótica se apresentou por meio da construção dos arcos quebrados, ou em forma de ogivas como são chamados, em virtude de não serem arredondados, como na Arte Românica. Soma-se a isso a abóbada de cruzaria; as janelas maiores com vitrais, que proporcionariam mais iluminação interna; a grande quantidade de complexos detalhes decorativos; os pilares com entalhes; e o formato de pirâmide dos telhados. O arcobotante permitia que o peso fosse melhor distribuído nas colunas e nas paredes, que também poderiam ser mais altas. O resultado era a sensação de verticalismo, de luz, de grandiosidade, mas sobretudo de leveza. Fica nítido o objetivo de uma obra voltada para o misticismo e para a ascensão a Deus.

A Escultura apareceu como um complemento à Arquitetura (Fig. 2 e Fig. 2.1), compondo portais e fachadas das catedrais, assim como na Arte Românica. As figuras, seguindo o padrão Gótico, apresentavam-se alongadas e esguias, traduzindo-se em sensação de verticalidade e, tanto os gestos como as expressões, foram aos poucos adquirindo dinamismo e naturalidade.

À semelhança da escultura, a Pintura Gótica inicial, expressou um sentido narrativo e cristão. Entre os pintores, destaca-se Giotto Bondone (1266 – 1337) que, além de outras obras, produziu afrescos para a decoração de igrejas, como os da Capela Scrovegni, na Itália, seu maior trabalho. Ali, o artista colocou a religiosidade como tema central, descreveu cenas bíblicas e, embora desse ênfase às figuras de santos, agora elas apareciam com o aspecto de pessoas comuns. Isso antecipou a visão humanista que se firmou no Renascimento.

Mas a Pintura Gótica não tratou somente a religiosidade, na fase tardia, os trabalhos apresentavam uma grande aproximação com a realidade, maior riqueza de detalhes, mais noções de perspectiva e de sombra. Van Eyck (1390 – 1441), como precursor do retratismo, procurou aproximar a obra da realidade, fez uso de cores vivas e revelou detalhes que confirmam a vida urbana e a social da época. O Casal Arnolfini 1, uma de sua mais conhecidas obras, de 1434, feita a óleo, sobre tábua de carvalho, apresenta detalhes que, para a época, eram considerados inovadores. O comerciante e sua esposa estão em destaque na obra, num primeiro plano, mas ao fundo e ao redor, ficam à vista, objetos e móveis da casa, como uma forma de aproximação com o cotidiano da época. Incluem-se nesses objetos, um espelho onde pode ser que a imagem do artista esteja retratada.

No campo da pintura, foram de grande importância as Iluminuras 2, pinturas decorativas em manuscritos, feitas em conventos, abadias e mosteiros. Os textos, a maioria com temas religiosos, recebiam decoração nas letras iniciais, nas bordas e havia ilustrações em pequenos espaços, onde o artista deveria demonstrar toda sua destreza e talento.

Fig. 2.1 – Detalhes da Catedral de Chartres, França. Arte românica e arte gótica.
Fig. 2.1 – Detalhes da Catedral de Chartres, França. Arte românica e arte gótica.

Ao lado de A Divina Comédia de Dante Alighieri, a Literatura ainda viu nascer o Lirismo Trovadoresco, que emergiu em meio ao misticismo e à religiosidade da Idade Média. Iniciado no Sul da França, o movimento se difundiu por toda a Europa. No século XII, os jograis e menestréis se apresentavam em castelos e nas praças, para entreterem a corte e o povo, cantando os poemas dos trovadores em que se descreviam duelos, romances de cavaleiros e se declaravam amor a uma dama. As novelas de cavalaria foram criadas nesse contexto, narrando os amores idealizados e impossíveis, os atos de bravura e as aventuras dos cavaleiros medievais, como a Demanda do Santo Graal, envolvendo a lendária figura do rei Artur. E ainda no século XIII, surgiram as lendas de Robin Hood, o herói que habitava florestas e a imaginação infantil.

1 O Casal Arnolfini – obra de Van Eyck – National Gallery
http://www.nationalgallery.co.uk/products/van_eyck_collection/the_arnolfini_portrait_print/p_NG186

2 Iluminuras – The J. Paul Getty Museum
http://www.getty.edu/art/exhibitions/making

O Belo na Idade Média

Vós senhor os criastes. Porque sois belo, eles são belos; porque sois bom, eles são bons; porque existis, eles existem. Não são tão formosos, nem tão bons, nem existem do mesmo modo que vós, seu Criador. (AGOSTINHO, 1999, p.314).

O lado místico aflorou na Idade Média, foi levado para o campo da Filosofia. A questão do Belo, nesse período, conduzido pelas mãos do Cristianismo, trouxe à tona um pensamento subjetivo e voltado para a beleza de Deus. Tomás de Aquino (1225 – 1274) não discutiu a questão do Belo, mas o identificou como algo que “encanta os sentidos, de maneira abstrata e intelectual, cujo ato é atribuído a Deus” (KIRCHOF, 2003, p.96-97). Relacionou-o à ideia aristotélica, ligada à proporção e à simetria, mas o termo adquiriu uma ligação com o bem, uma atribuição particularizada de gosto, que unia fé e razão. Santo Agostinho (354 – 430) preocupou-se com a questão do Belo, e também o identificou com o bem, cujos atributos nada mais são do que reflexos da própria beleza de Deus, conforme segue,

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Eu, ó meu Deus e minha glória, até aqui tiro razões para Vos cantar um hino, oferecendo um sacrifício de louvor a meu Sacrificador, porque as belezas que passam da alma para as mãos do artista procedem daquela Beleza que está acima das nossas almas e pela qual a minha alma suspira de dia e de noite. (SANTO AGOSTINHO, 1999, p. 295).

Acompanhando uma linha de pensamento neoplatonista, Santo Agostinho acreditava na visão de Deus como inteligência superior, criador dos arquétipos do mundo visível. Entretanto, para ele, o belo, estava ligado à existência das coisas e do homem, como um ato de poder do Criador. A beleza não era supérflua, mas uma forma de ruptura com o caos e recuperadora dos sentimentos verdadeiros. A obra de Arte seria o produto de um preceito moral e trazia à tona a alma do artista. Com isso, valorizou o homem e seu interior.

É necessário comentar que as efervescências dos períodos, em seus movimentos, conflitos sociais, religiosos e políticos, desencadearam as etapas do desenvolvimento humano e levaram ao refinamento da sociedade. Terry Eagleton afirma que “nenhuma forma cognitiva é mais apta em mapear as complexidades do coração do que a cultura artística” (EAGLETON, 2005, p.76). A Arte está intrinsecamente ligada à demonstração de pensamentos e de opiniões, e a estética emerge como um produto das manifestações artísticas, tomando diferentes aspectos a cada nova fase. A despeito de toda a turbulência desse período entre os séculos V ao XV, em que ainda se incluem as Cruzadas, a Peste Negra, e a desmerecida alcunha de Idade das Trevas, a Idade Média foi um dos períodos mais ricos da História da Humanidade. E fica a frase de Umberto Eco (2010, p.14), para se refletir:

A Cultura Medieval tem o sentido da inovação, mas procura escondê-la sob as vestes da repetição (ao contrário da Cultura Moderna que finge inovar, mesmo quando repete).

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Referências:

  1. AGOSTINHO, Santo. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
  2. ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Porto Alegre: L&PM, 2004.
  3. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  4. ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010. Tradução de Mário Sabino.
  5. EAGLETON, Terry. A Ideia de Cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
  6. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  7. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
  8. KIRCHOF, Edgar Roberto. Estética e Semiótica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

As figuras:

Fig. 1 – Vista da Capela-mor da Catedral de Pisa, na cidade de Pisa Itália, construída entre 1064 e 1118. A Figura de Cristo está ao fundo, num gesto de benção.

Fig. 2 – Detalhes da Catedral de Chartres, França.

Fig. 2.1 – Detalhe da Catedral de Chartres, França.

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