“Entrevista com Marie-Louise Plum”, por: Juliana Vannucchi

Conversei com a talentosa pintora inglesa Marie-Louise Plum, que me contou a história de sua incrível trajetória artística e teceu reflexões diversas a respeito do significado da arte e dos efeitos que ela pode ter na vida das pessoas.

Também abordamos outros assuntos, como a possibilidade de se viver profissionalmente como da pintura e também… heresia e bruxaria!

Confira!

Juliana Vannucchi é graduada em Comunicação Social, licenciada em Filosofia e Editora-chefe do site Acervo Filosófico.
Juliana Vannucchi é graduada em Comunicação Social, licenciada em Filosofia e Editora-chefe do site Acervo Filosófico.

1 – Marie, por favor, primeiramente, conte-nos um pouco sobre sua vida. Onde você nasceu? Onde mora agora e como surgiu seu interesse pelo universo artístico?

Embora atualmente eu viva em Londres, cidade na qual passei os últimos vinte anos, o que representa mais da metade da minha vida, eu nasci em Bedford, que se situa a cerca de 50 milhas de onde estou agora, e cresci numa vila semirrural chamada Clapham. Passei muito tempo junto ao lado italiano da minha família, que é a parte do lado materno, especialmente junto à minha avó, que foi uma influência imensa para mim. Ela era pintora e me encorajou desde a tenra idade a ir atrás de atividades criativas. Talvez isso tenha sido realmente levado a sério por mim, já que eu não era uma aluna muito estudiosa e passava a maior parte das aulas secretamente caricaturando o resto dos meus colegas, em vez de me concentrar em matemática, geografia ou ciências.

Só comecei a pintar há dez anos atrás e antes disso eu era ilustradora, sendo o desenho minha principal obsessão desde a infância. No entanto, acho que essa mudança teve a ver com uma atitude bastante obstinada de não aceitar o conselho de ninguém, abandonar a escola, abandonar a faculdade e não frequentar a universidade. Se eu tivesse gostado da escola e da educação, e aberto as portas para outros meios e práticas, talvez eu tivesse abandonado o barco para me tornar uma pintora há muito mais tempo.

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2 – Quais são suas principais influências? Gostaria de saber o que a inspira não apenas na arte, mas também fora dela.

A educação pareceu se aproximar de mim depois dos meus vinte anos. Fiquei obcecada pela história, no sentido acadêmico, tal como sempre fui obcecada pela estética, pelas lembranças da história e pela captura de certos momentos do tempo. Para divagar, quero dizer que amava lojas que vendiam sucatas, antiquários, museus e adorava também encontrar ‘coisas antigas’. Eu sempre colecionei coisas – colecionei momentos no tempo – guardando fragmentos de ocasiões aparentemente insignificantes ou experiências passageiras. Há cerca de quinze anos, comecei a reunir todos esses fragmentos de vida coletados e deixá-los em vitrines de museu – sem nenhuma ordem específica – apenas colocando-os todos ali dentro, selando seus poderes, como uma cápsula de tempos passados. Então, quando digo que agora sou obcecada por história em um sentido “acadêmico”, quero dizer simplesmente que tenho interesse em aprender fatos, números, “onde”, “por que”, desvendar um mosaico de retalhos humanos e, particularmente, gosto da história social, especialmente da Grã-Bretanha, do século XV em diante. Assim sendo, eu leio livros de história por prazer e inspiração. Eu passo muito tempo (conforme é possível pela situação da Covid) na costa do Rio Tâmisa. Eu também passo muito tempo em cemitérios.

Todas as influências usuais que outras pessoas têm, eu também tenho… música, arte, cinema, literatura. Para abranger isso tudo sem entediar o leitor com detalhes, sou naturalmente atraída para a escuridão, para o misterioso, para o inconstante e o atípico. Oh, eu também poderia acrescentar que atualmente estou trabalhando em todos os romances de Dickens e adoro um pouco de melodrama na música, especialmente as lamentações de Barbara Strozzi.

3 – Eu percebo que você pinta muitos corpos humanos. Eles têm algum significado especial para você?

Navegar na teia emaranhada da autoexpressão. Meu ponto de partida, anos atrás, foi o choque e a revelação de uma bomba sem explicação. Dá para perceber isso nas minhas primeiras pinturas, pois elas são um tanto primitivas e me mostram claramente como lidar com a transição de ilustrador, acostumado a desenhar à mão, para tentar praticar um estilo mais pictórico, e falhando. Comecei com tópicos que me interessavam – tais como a condição humana, o senso de identidade, a tortura mental, a suspeita, o isolacionismo, o conflito interno – mas não tinha uma maneira sofisticada de expressar esses interesses, a não ser tornando o assunto ilimitado e chocante, muitas vezes, com figuras nuas, sendo que, no início, pintava quase sempre totalmente sem pelos. Grotescos. À medida que minha prática se desenvolveu e me tornei mais indagadora em relação a mim mesma, o que quero dizer, em relação a como expressar algo e por que expressar esse algo, minhas pinturas se tornaram menos abertas e mais sensíveis à situação que estou tentando transmitir. Corpos, as pessoas que os habitam, não o corpo em si, mas a expressão, a pose, a composição e a vinheta. Eu lentamente retirei meus hábitos de desenho, que a princípio podiam ser vistos em minhas pinturas, e meu estilo de pintura, dessa forma, se desenvolveu. Dez anos mais tarde, eu finalmente descobri que você não precisa pintar algo gráfico para transmitir um momento de punição da experiência vivida, e nem tudo precisa ser delineado em uma cor escura, mas em tons, destaques e sombras disso para você. Por fim, gosto de pintar figuras e a linguagem delas. Embora eu não queira alarmar você, acabei de começar minha primeira paisagem significativa do misterioso rio Tâmisa…

4 – Você costuma pensar em algo específico antes de começar a pintar? Você escolhe um tema previamente, por exemplo? Ou você simplesmente pinta por intuição, sem planejar nada?

Eu costumava fazer sempre a última pintura, só que com mais sucesso. Ou, então, posso simplesmente ter uma sensação geral, ou germe de uma ideia, e daí ela desemboca num resultado final. Um exemplo bem-sucedido disso seriam duas performances de pintura em grande escala, 12 Meses e Suburban English Magick (que é um projeto maior e contínuo, que pode ser visto no IG em @suburbanenglishmagick).

Fui contratada em duas ocasiões para pintar o interior de:

i) uma grande sala que hoje é um tribunal (se eles tivessem visto o que costumava enfeitar suas paredes!), e

​​ii): um galpão, o CCCA em Coventry, que pertenceu ao artista Bob e Roberta Smith, e foi de fato doado por ele à cidade. Em ambas as ocasiões, escrevi e gravei um poema em prosa com uma base de trilha de áudio encontrada, que remendei a partir de ‘gravações de campo’ que capturei e pintei, enquanto ouvia a faixa. Foi uma experiência muito intuitiva, hipnótica, semelhante a um transe, baseada em uma ideia existente, cujo ‘fluxo’ só foi interrompido quando um membro do público questionador me perguntou, com razão, exatamente o que diabos eu pensava que estava fazendo.

Hoje em dia é uma história diferente. Eu considero que diabos é que estou fazendo!

5 – Que tipo de efeito você acha que as pessoas sentem quando olham suas produções artísticas?

Espero que elas tenham uma sensação de reconhecimento, de que eles já experimentem uma sensação semelhante ou vivenciam uma sensação de déjà vu com suas próprias experiências ou, então, uma espécie de voyeurismo através de uma janela, ou mesmo a sensação da captura de uma cena instantânea de um momento que se passava e, então, eles pensam: “Sim, eu conheço isso”.

6 – O que você sente quando está pintando?

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Eu costumava sentir muita frustração e agora me sinto meditativa. Sinto-me calma num mundo inquieto. O “Mundo”, com M maiúsculo, para, e fico imersa em meu próprio mundo.

7 – Como você define a arte? E o quanto ela pode ser positiva na vida de uma pessoa?

Presumo que não posso pular esta pergunta e responder assim: eu realmente não sei. Todos os itens acima sobre os quais conversamos vão de alguma forma para a minha definição, criando uma chamada e resposta, até mesmo uma resposta silenciosa. A arte é uma linguagem. Eu me sinto oprimida, no bom sentido, quando visito certas galerias, pois posso enlouquecer por admiração e por alguma sensação, mas isso é frequentemente específico, e principalmente não se estende além dos anos 1940. Não sei se esse tipo de arte, desse período mencionado, é igual a esta arte, que está acontecendo em 2021. Mas posso dizer que a arte é adversa, surge em grupos de arte, desfila como peças individuais, é um sentimento, uma habilidade, um agito, um objeto poderoso e nada, apenas uma palavra, é decorativo, mas não é, é treinada e habilidosa, talhada e polida, é provocadora e zombeteira e não exige nenhum esforço. Quanto ao quão positivo pode ser, bem, sei que pode ser muito positivo, mas não acho que deva ser exclusivamente positivo, ou não haveria sentido. Nem sempre podemos ser alegres, podemos? Talvez eu devesse ter pulado esta pergunta.

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8 – É possível viver de arte hoje em dia? Podemos fazer dela um trabalho? Qual é o maior desafio de um artista independente em nossos tempos?

Existem duas estradas que consigo distinguir. A primeira: estudar, conhecer seu ofício, ser muito bom nisso, promover seu produto, ser uma marca, conhecer as pessoas certas, fazer os sons certos, fazer a coisa certa e ganhar dinheiro. A segunda: não tenha absolutamente nenhuma ideia do que você está fazendo, mas continue fazendo, permaneça impopular e reze para Vincent.

9 – Você poderia nos contar um pouco sobre sua série de pinturas de mulheres da história que foram executadas por supostas práticas de bruxaria? Acho que esse é, especificamente, um tema muito legal com o qual você trabalha!

É um projeto em andamento, denominado Heretic. É ambicioso e talvez um pouco autopunitivo. Decidi, no início do lockdown de 2020, pintar um retrato de cada mulher do século I DC a 1727, nomeada mártir, herege e acusada de ser bruxa. Usando o ‘Livro dos Mártires’ de John Foxe como ponto de partida, trabalhei numa grande tela, que demorou muito para ser feita, das sete santas mulheres nomeadas na Eucaristia, subvertendo os seus destinos. Ao mesmo tempo, eu estava pesquisando sobre mulheres das Ilhas Britânicas e das Ilhas do Canal que foram acusadas de bruxaria e pintando retratos dessas mulheres. Estou interessada na maneira pela qual elas podem ser usadas como ferramentas, desde a escala mais baixa de sua comunidade local, como bodes expiatórios quando é necessário que haja um, e para limpar os ‘indesejáveis’, até uma escala maior de agitação política e social, como pobreza, falta de educação e a iniciativa nacional de ‘caça às bruxas’ para desviar a população, por exemplo, de seu monarca, que estava tendo um colapso paranoico, ao passo em que o país estava se desintegrando, em tempos de epidemia – as mulheres estavam sendo eliminadas para trazer alegria pública, para levantar o ânimo e ver se as classes dominantes estavam no caso com… pelo menos alguma coisa.

Em relação aos mártires e hereges, tenho interesse na rápida mudança de pano de fundo da ‘nova’ e ‘velha’ religião e no ambiente em constante mudança na Grã-Bretanha durante os séculos 15-17, e também naqueles que foram executados por praticarem uma ‘religião errada’ que, na verdade, era, digamos, a religião certa há algumas semanas antes. Se você considerar o arco de mártires, hereges e bruxas, percebe que havia pessoas executadas por acreditarem em algo e também por se recusarem a se retratar, ou, então, por não acreditarem em algo que foi atribuído a eles, e negar que eles tivessem algo a ver com isso – portanto, haveria condenação se “você fizesse” e também se “não fizesse”.

Olhando para os dias modernos, e ainda estou tentando entender o que me deixa curiosa aqui, também acho fascinante que essas mulheres, muitas vezes relatadas como personagens desagradáveis, ou pessoas idosas e enfermas que poderiam ser eliminadas, muito provavelmente não eram bruxas, mas são vistas principalmente como homenageadas por bruxos praticantes contemporâneos e acadêmicos com interesse em folclore e bruxaria. A dualidade de mulheres esbofeteadas com um tíquete de bruxaria, não sendo realmente bruxas, mas principalmente sendo lembradas exclusivamente por turistas do folclore e esses citados bruxos dos dias modernos, deixa minha mente um pouco confusa. Isso não quer dizer que seja uma coisa negativa, é apenas “uma coisa”. No que diz respeito ao que estou pintando, posso dizer que frequentemente normalizo o contexto em que retrato as ‘bruxas’, por exemplo, mostrando elas em suas juventudes, dentro de suas comunidades, com amigos, crianças, às vezes com seus ‘familiares’ simplesmente como animais de estimação, e não como mensageiras demoníacas do diabo. Retrato e foco em mulheres e, embora eu não esteja me concentrando neles, muitos, muitos homens – eram tratados da maneira mais bárbara e terrível, muitas vezes a partir de decisões súbitas feitas por figuras poderosas que estavam brincando com as pessoas para aumentar sua popularidade e salvar sua própria pele. Também estou examinando o legado de mulheres executadas, como Perotine Massey e seu filho ainda não nascido, parte dos Mártires de Guernsey, que não só foram assassinados, mas tiveram seu legado feito em pedaços pelo guerreiro Thomas Harding, um padre católico, e também o já mencionado John Foxe, que se acusavam mutuamente de usar Perotine para promover seus próprios interesses. É um projeto vasto e que vai longe, do qual estou fazendo uma pequena pausa no momento, já que o peso do assunto tende a durar depois de meses e meses de digestão de histórias de terror. Embora eu tenha me concentrado em casos históricos e continuarei com minha missão de pintar mulheres mortas há muito tempo, estou perfeitamente ciente dos paralelos que podem ser traçados entre esse assunto e os maus tratos e abusos de mulheres e meninas nos dias modernos, que ocorrem em várias partes do mundo – no Reino Unido, inclusive – por razões semelhantes, e fico sempre triste ao ver, às vezes, o quão pouco aprendemos com nosso passado.

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JULIANA VANNUCCHI
Sorocaba – São Paulo
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E-mail: ju.vannucchi@hotmail.com

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