Santander Cultural inaugura a exposição Paulo Gasparotto – Certas pequenas loucuras…

Fotografia de Paulo Gasparotto, c. 1978. Foto: Roberto Grillo.
Fotografia de Paulo Gasparotto, c. 1978. Foto: Roberto Grillo.

Porto Alegre, 10 de abril de 2017 A mostra Paulo Gasparotto – Certas pequenas loucuras…, aberta ao público de 19 de abril até 28 de maio, no Santander Cultural, permite um mergulho profundo no vasto universo do jornalista, um dos profissionais mais destacados e carismáticos da comunicação no Rio Grande do Sul. Por meio de uma expografia dinâmica, que mescla texto e imagem, informações e contextualização histórica, obras de arte e objetos de seu acervo pessoal, é possível conhecer o âmago desse colunista e desvendar detalhes e curiosidades sobre a sua personalidade e trajetória profissional.

A professora, crítica e historiadora da arte Paula Ramos assina a curadoria, exibindo cerca de 150 peças que contextualizam os 80 anos de vida e 50 dedicados ao colunismo social de Gasparotto. “Voluntarioso, teimoso, impaciente, altamente emocional e muito apaixonado, sempre, por tudo e sobretudo. A única razão de eu viver, sempre, foi estar apaixonado por alguma coisa, por algum objeto, por alguma pessoa. Sem emoção não há vida. Hoje, procuro não ter tantas raivas, até porque não vale a pena. E procuro ter mais paixões”, assim se define o colunista homenageado.

Carlos Trevi, coordenador geral da unidade de cultura do Santander em Porto Alegre, destaca que “o Santander Cultural aposta numa programação que fomenta a pluralidade, por meio de iniciativas voltadas para manifestações artísticas contemporâneas, e traz, nas mostras biográficas, personalidades gaúchas que contribuíram para o desenvolvimento da sociedade”.

Para a curadora Paula Ramos, “é um privilégio trabalhar ao lado de um profissional como o Paulo Gasparotto. Além de ter contato com uma pessoa incrível, apaixonada pela vida e por seu trabalho, bem como por Porto Alegre e seus personagens, Gasparotto é um ícone: de comunicação, de elegância, de humanidade. Sinto-me agraciada por essa oportunidade e tenho certeza de que o público ficará surpreso ao percorrer a mostra”.

Procissão de Nossa Senhora de Navegantes, 1944, Luiz Maristany de Trias (1885-1964). Foto: DelRe/VivaFoto.
Procissão de Nossa Senhora de Navegantes, 1944, Luiz Maristany de Trias (1885-1964). Foto: DelRe/VivaFoto.

Paulo Raymundo Gasparotto é jornalista, colunista, avaliador e leiloeiro. Nasceu no dia 20 de abril de 1937, em Porto Alegre. Homem de múltiplos gostos, de plantas e animais a arte, antiguidades, música, moda e literatura, começou sua carreira no final dos anos 1950, no jornal Ele e Ela e, na sequência, na Revista do Globo. Em 1963, ingressou no jornal Zero Hora e, nos anos seguintes, escreveu sobre moda, arte, elegância e vida social. Manteve coluna nos periódicos Folha da Tarde, Correio do Povo, Zero Hora, O Sul. Hoje, com a vitalidade, o apuro e a ousadia que sempre lhe marcaram, Gasparotto inaugura o seu próprio portal de notícias: www.paulogasparotto.com.br. Reinventando-se permanentemente, é o último jornalista da velha guarda a seguir no colunismo social, em uma época em que, como ele mesmo diz, todas as pessoas, com seus smartphones, blogs e redes sociais, podem ser “um pouco colunistas”.

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Paulo Gasparotto – Certas pequenas loucuras…

Coquetel de abertura para convidados | 18 de abril
Período | 19 de abril a 28 de maio
Local | Santander Cultural Galerias Leste e Oeste
Endereço Rua Sete de Setembro, 1028 | Centro Histórico | Porto Alegre RS Brasil 90010-191

51 3287.5500 | scultura@santander.com.br | www.santandercultural.com.br

Horário de funcionamento

Ter a sábado, das 10h às 19h

Domingos, das 13h às 19h

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Texto curatorial Paula Ramos
PAULO GASPAROTTO
CERTAS PEQUENAS LOUCURAS…

“Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras.”
Marcel Proust

Mundialmente conhecido por sua obra À la recherche du temps perdu – escrita de 1903 a 1922 e publicada entre 1913 e 1927, em sete volumes –, é Marcel Proust (1871–1922) quem fornece o alinhavo desta exposição, comemorativa à trajetória de Paulo Gasparotto: certas pequenas loucuras. A expressão sugere tanto o percurso, as opções e as afinidades eletivas que pautaram o caminho profissional do jornalista, como seu fascínio por determinados objetos, temas e vultos, a começar pelo complexo e fundamental escritor francês.

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Com interesses em artes visuais, antiguidades, música, literatura, meio ambiente, patrimônio histórico, homoerotismo, moda e, claro, a vida mundana e o universo dos “elegantes”, o jornalista estende seus afetos além do espaço das prestigiadas colunas socias que assinou. Compartilhar um pouco desse universo é o principal objetivo da mostra, que festeja os 80 anos de vida de Paulo Gasparotto, bem como as cinco décadas dedicadas ao jornalismo, profissão na qual soube se reinventar constantemente, mantendo-se ativo em uma época em que, como ele mesmo diz, todas as pessoas, com seus smartphones, blogs e redes sociais, podem ser um pouco “colunistas”.

A primeira e genuína paixão: Porto Alegre

Existem pessoas que amam cidades nas quais não nasceram; outras, apesar de suas raízes, não gostam nem desgostam de seus berços. Paulo Raymundo Gasparotto, em relação a Porto Alegre, nutre um afeto ilimitado. E sua casa reverbera isso. Na entrada, um vitral representando o Farol de Itapuã recebe os visitantes, remetendo ao Guaíba e ao que ele, ecológica e historicamente, representa; pelos quartos, imagens de artistas locais, com cenas locais, antigos panoramas e mapas do município.

Bairrista declarado, Gasparotto gosta de lembrar que seus antepassados ajudaram a forjar parcela da identidade da capital. O bisavô de sua mãe, Francisco de Lemos Pinto, conhecido por “Chico Inglês”, estava entre os que, em 1871, iniciaram a procissão fluvial em honra a Nossa Senhora dos Navegantes, quando a imagem, trazida de Portugal, foi transladada da Capela de Nossa Senhora da Conceição para a Capela do Menino Deus, por barco. Já o filho de “Chico Inglês”, Francisco Lemos Pinto Filho, tem seu nome ligado aos fundadores, em 1858, da “Praça de Comércio de Porto Alegre”, uma espécie de Associação Comercial que reunia os mais influentes mercadores da região.

Se os pais de Gasparotto passaram suas juventudes no interior, ele, por seu turno, mora na cidade desde que nasceu. Conhecendo dezenas de comunidades, metrópoles e países, em todos os continentes, afirma que, com exceção do clima inóspito, há poucos lugares tão bons para se viver como Porto Alegre.

O homem que jamais esqueceu do menino

Nascido no dia 20 de abril de 1937, sob a regência de Áries, Paulo Raymundo Gasparotto é filho único de Esther Lemos Pinto e Eugênio Rennier Gasparotto. Sua infância foi em um Menino Deus que não existe mais. Antes de ser aterrado, o Guaíba estendia-se até a Praia de Belas, e o antigo arraial desdobrava-se como um grande e bucólico jardim, repleto de animais de várias espécies, cujas árvores o menino conhecia bem. Aqueles anos forjaram-lhe o amor incondicional pelos bichos e pelas plantas. Tanto que um dos fatores decisivos para a escolha do lugar em que vive foi a presença de uma grandiosa Magnólia nos fundos do terreno. A árvore divide espaço não apenas com uma miríade de folhagens, mas com outra paixão do colunista, uma Glicínia, transportada da residência anterior, numa operação que clamou intensos cuidados, a começar por uma grua. É no jardim, sorvendo o aroma das flores, ouvindo o cacarejar das galinhas e o canto dos pássaros, que Gasparotto frequentemente se embrenha, entre ação e contemplação: “Se eu tivesse um pouco mais de paciência e disciplina, largaria tudo para ser jardineiro.”

O colunista tributa a afeição pelos jardins e o cuidado com a harmonia e com a beleza dos ambientes internos à mãe, que, por outro lado, desaprovava com veemência seu precoce interesse por “antigualhas”. Certa vez, quatro ou cinco anos de idade, visitando parentes, ele se encantou de tal modo por uma xícara isabelina que trazia a palavra “saudade”, que não descansou enquanto não a recebeu, compulsoriamente, “de presente”. Embora a porcelana tenha se perdido no tempo, ela assinala o início de uma prática: amealhar objetos.

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Nesse sentido, uma das experiências mais marcantes em sua formação foi quando, aos 12 anos de idade, viu-se percorrendo o sítio arqueológico de São Miguel das Missões. Desde então, a monumentalidade das ruínas, a beleza contida das esculturas em madeira e em pedra e o contexto das reduções jesuítico-guaranis povoam seu imaginário. Para ele, trata-se da paisagem mais emblemática do Rio Grande do Sul que, infelizmente, poucas pessoas conhecem ou têm interesse em conhecer.

O fato é que Gasparotto é um apaixonado por história e, na esteira, por memória. Sempre preferiu residir em casarões antigos, cercado por elementos e evocações do passado. Habitando uma vetusta construção do final do século XIX, em frente ao Parque Farroupilha, em Porto Alegre, vive cercado por relíquias que o alçam à condição de colecionador, embora ele prefira se definir como “ajuntador”. E que “ajuntador”… De estatuárias sacras a pratarias, passando por tapetes, fragmentos de talha, zoólitos, cerâmicas indígenas, imagens de pés e de cães, gravuras, pinturas, desenhos, fotografias e esculturas, em especial de artistas sul-rio-grandenses.

O carinho e o fetiche que tem por certos artefatos está alicerçado em um admirável senso estético, bem como no conhecimento histórico. Também avaliador e leiloeiro, Gasparotto conhece os pedigrees das peças que coleciona, e sabe identificar o talento dos artistas e dos artífices responsáveis por sua execução. A simbologia e a trajetória de cada exemplar, de um lado, e a maestria da fatura, de outro, são aspectos que o comovem profundamente, fazendo de suas coleções um foco contínuo de zelo: “A única razão para eu viver foi sempre estar apaixonado por alguma coisa, por algum objeto, por alguma pessoa”. Mas, em meio ao universo de referências e requinte, também apregoa, como lema de vida: “Atenção! O ter não é ser”.

Um sentido estético ligado ao erotismo

Gasparotto era adolescente quando comprovou, a partir de comentário do médico psiquiatra Avelino Costa, o que já pressentia: sua ousadia e carga de erotismo não eram propriamente “normais”. Vaidade, sensualidade e uma certa lascívia sempre o acompanharam. “Eu tenho um sentido estético absolutamente ligado ao erotismo. Significa que estou vivo – não tanto como eu gostaria, mas ainda bem vivo”.

Prestes a completar, como ele mesmo diz, “vinte anos pela quarta vez”, Gasparotto gosta de discordar do político e gastrônomo francês Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755–1826), que dizia serem os prazeres da mesa os últimos que o homem deixa. “Eu troco isso pelos prazeres da cama: sexo e leitura. Eu adoro ler na cama. E eu gosto de ler tudo, até os livros ruins, para ter convicção de que são ruins.” Entre seus autores favoritos, Marcel Proust, Simões Lopes Neto e Ivan Pedro de Martins. Este último, para ele, escreveu uma das cenas mais lúbricas da literatura:

[…] que até hoje eu não consegui reproduzir: é uma cena de sexo de um carroceiro com uma mulher que ele tinha conhecido e conquistado naquele dia; e então os dois vão para baixo da carroça, por cima dos pelegos, e a lua passa pelas frinchas da carroça e ilumina o amor deles. Isso é muito bonito, e isso, pra mim, é uma imagem que representa bem o Rio Grande do Sul.

O colunista, que chega a identificar sensualidade nas representações de santos e mártires da Igreja Católica, nutre especial apreço por nus masculinos e por “pés”, que observa a todo instante, sem constrangimento. Sobre os de Greta Garbo, escreveu: “Greta tinha pés grandes, possivelmente seriam 43 ou 44, mas eram bonitos. Muito alvos e sem protuberâncias ou calosidades. Dignos da beleza da diva”. Celebridades: uma ponte simbólica para o colunismo social.

O colunista

Paulo Gasparotto estreou no jornalismo no final da década de 1950, no jornal Ele e Ela, escrevendo sobre casas e decoração. Em pouco tempo, seu nome estava nas páginas da Revista do Globo, valorizando, a partir de exemplos encontrados em residências de famílias sulinas, “o requinte francês” no mobiliário, a “alta classe no colonial brasileiro”, ou o prazer de colecionar com “senso artístico”.

Na mesma Revista do Globo, ele começou a escrever sobre moda, beleza e elegância. Acompanhou e documentou a ascensão do estilista Rui Spohr, bem como a da modelo Lucia Curia, mais tarde Lucia Moreira Salles. Paralelamente, a convite do jornalista Tarso de Castro, ingressou no jornal Zero Hora. Era 1963. Além de trabalhar como assistente do editor, selecionando o material fotográfico, era responsável pela coluna Baú, uma vez mais sobre arte e decoração. Ficaria em ZH por um ano e meio, saindo em janeiro de 1965 para tratar de uma hepatite. Mas logo retornaria, em 1966, permanecendo, com idas e vindas, até a virada para os anos 2000 e se dedicando, com exclusividade, ao colunismo social. Nesse segmento, Gasparotto é um marco, um verdadeiro ícone: o nome mais importante do colunismo social no Rio Grande do Sul.

Em seu percurso profissional, Paulo Gasparotto passou pela “Casa de Caldas” – como era tratada, pelo pessoal da imprensa, a sede do Correio do Povo, da Folha da Manhã e da Folha da Tarde –, bem como pelo jornal O Sul, que, desde 2015, deixou de circular em formato físico. Escancarando as transformações sociais e econômicas no cenário da comunicação, essa opção também reiterou o que não apenas Gasparotto, como muitos outros jornalistas dedicados a esse nicho já sabiam: o colunismo social havia mudado, e muito. Por um lado, as facilidades das ferramentas de edição estavam possibilitando a qualquer pessoa minimamente instrumentalizada assumir o trabalho que antes envolvia toda uma equipe. Por outro, com a voga das redes sociais e dos smartphones, não era mais vital a existência de jornalistas para a divulgação do que e de quem acontece, pois os próprios “colunáveis” passaram a fazer suas “autopromoções”…

Observador atento e presente à agenda cultural, social e econômica da cidade, Gasparotto sabe que, em meio à proliferação infindável de comentários e imagens pela rede, bem como ao árido e inepto “jornalismo de release” que tomou conta das redações, o diferencial está na informação e no conhecimento, algo que ele sempre fez questão de cultivar.

Único jornalista da “velha guarda” que continua fazendo colunismo social, ele tem plena consciência de que muito do cenário de elegância e bom gosto que começou a documentar não existe mais. Daí também, novamente, a urgência de Marcel Proust: “Para tornar a realidade suportável, todos temos de cultivar em nós certas pequenas loucuras.”

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