“O poder da Arte em momentos de crise” por Edson Siquara

A importância da Beleza

Qual a relação entre um sentido de liberdade e a beleza?

Em tempos de isolamento, com alguma liberdade (no sentido positivo) para pensar, talvez possamos buscar um fundamento para a existência humana que só pode ser confirmardo pela experiência, mesmo sendo ele universal.

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A ideia de que estamos passando por um evento de proporções catastróficas, em escala mundial, em certo sentido nos une, ou, pelo menos, deveria nos unir. O Coronavirus nos coloca de frente com a questão da saúde pública, mas também nos desafia em vários outros campos, como o da desigualdade social, da pobreza, do egoísmo sem limites. Nos impele a pensar sobre o sentido da vida, sobre se estamos certos em viver buscando riquesa, poder, fama. Nos convida a pensar o que é ser feliz, o que é ser livre e em qual tipo de cultura deveríamos estar vivendo.

Hoje o medo de morrer nos une, pois compartilhamos o mesmo sentimento.

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Existe um outro sentimento que também no une: o da liberdade. Liberdade que aqui destacamos não está relacionada àquelas indicadas pelo filósofo Isaiah Berlin (1909 – 1997) em seu famoso artigo Dois conceitos de Liberdade: negativa e positiva. O conceito de liberdade aqui é um em que se sente. Mas existe ainda um outro sentimento que compartilhamos de forma necessária: o sentimento do Belo. Quando estamos tendo uma experiência prazerosa e não sabemos explicar exatamente por que sentimos o que sentimos, normalmente expressamos, simultâneamente, a palavra Beleza. Ao mesmo tempo, desejamos convidar alguém a compartilhar tal prazer, ou seja, neste momento somos o oposto de egoístas e estamos sendo felizes.

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Ser Feliz é, antes de tudo, se sentir Livre

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Para o filósofo e médico Schiller (1759 – 1805), o prazer que sentimos com a arte, especialmente a Bela Arte, é um sentimento de liberdade. Isto significa que, quando ouvimos uma música que nos emociona, mas não sabemos exatamente porque sentimos o que estamos sentindo, estamos, na verdade, nos sentindo livres. O mesmo ocorre com poemas, pinturas, esculturas, filmes, no teatro, nas Artes em geral. Mas poderíamos perguntar: este sentimento de liberdade só pode ser sentido com a Bela Arte?

Segundo o próprio Schiller, este prazer com o Belo, que é o prazer de se sentir livre, parte ou tem origem no próprio sujeito, ou seja, a origem do prazer está no sujeito e não no objeto. O objeto possui características que fazem dele uma espécie de espelho para um desejo que nos é fundante.

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Para Schiller, o maior desejo do humano é se sentir livre. O Universo, incluindo nós humanos como parte da totalidade, somos determinados, e caminhamos, de forma necessária, para sermos livres. Natural é que podemos nos sentir livres ou felizes de outras maneiras, por exemplo, quando somos elogiados, quando nos saímos bem em uma prova, quando compramos um carro novo. Mas Schiller nos chama a atenção para uma felicidade que possui um caráter antropológico e psicológico. Se concordarmos que quando estamos sentindo um prazer com o Belo na Arte, nossa razão não quer dominar, nem mesmo nossa sensibilidade egoísta (instinto de sobrevivência) se manifesta, neste momento, onde estas forças se igualam ou são nulas, podemos afirmar que ocorre uma harmonia entre Razão e Sensibilidade.

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Este é o momento que somos livres das determinações da razão ou da sensibilidade egoísta. Mas uma liberdade absoluta não existe, pois ela não é possível em um universo determinado.

O que surge, portanto, é a realização do nosso mais profundo desejo, o de voltarmos a ser livres como éramos quando ainda estávamos em formação. Éramos já um corpo, mas sem razão ou sensibiliade, daí o caráter antropológico. Esta experiência inicial nos marca como um trauma, só que no sentido positivo do termo, sendo este o eu caráter psicológico. Esta marca original, o da experiência de liberdade não sentida, fica como um vazio que não pode ser saciado, mas o identificamos na relação com a Arte e com ela, preenchemos momentaneamente este vazio.

Desejamos profundamente nos sentir livres, mas simplesmente não sabemos disso, pois nos é inconsciente.

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E como somos, na verdade, a origem do prazer que sentimos, ao externarmos para o objeto da arte nosso mais profundo desejo, o de sermos livres, devemos libertar a tudo e a todos.

Se existe uma relação entre Liberdade e ações morais, então deve ser esta: libertar a todos.

O que Schiller nos indica é que a Bela Arte nos mostra que somos assim constituídos. Somos seres de razão e sensibilidade, mas somos harmônicos, íntegros, completos, quando temos este prazer de nos sentir livres, mesmo não sendo.

Saímos sim dos museus e teatros mudados, pois encontramos ali quem verdadeiramente somos. A arte deve nos mostrar este caminho para um prazer especial e para a felicidade.

Assim, o sentido da nossa vida seria o de sermos livres, e para isto, precisamos nos sentir livres na caminhada. Então, devemos viver em uma cultura que tenha esta interpretação de liberdade como fundamento.

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Beleza = Liberdade

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A experiência estética do Belo nos lembra que já fomos livres da Selvageria da sensibilidade egoísta e da Barbárie da Razão.

Existe uma relação entre a Beleza, a liberdade e a Moral. Precisamos nos envolver com estes 3 conceitos, se quisermos buscar um sentido especial de ser feliz.

Nosso destino é ser livre, mas ele é impossível. Mas podemos, no entanto, nos sentir livres, que é, na verdade, o que realmente importa.

[box type=”shadow” align=”aligncenter” ]Se o prazer do Belo é acompanhado de um desejo de compartilhar esse prazer, e se o Belo É um sentido de liberdade, não seria este desejo de compartilhamento de um prazer desinteressado o fundamento da moral?[/box]

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A relação entre a Beleza e a Moral

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Quando temos nossa Razão e Sensibilidade desenvolvidas, aumentamos nossas chances de momentaneamente atingirmos nosso objetivo de vida, o de nos sentirmos livres. Deveríamos viver em uma cultura, ou sociedade, que nos facilitasse ter estes momentos.

Mas não basta ter Razão e Sensibilidade desenvolvidas, é preciso uma relação com objetos, natureza ou pessoas. Para sentirmos este prazer especial de ser livre, agimos, de forma consciente ou não, para libertar. Quando libertamos é que podemos nos sentir livres.

A Arte nos ajuda a identificar o que temos de mais profundo e nobre: o desejo de nos sentir livres.

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O objeto da Arte parece vivo, pois somos nós que transferimos nosso desejo de liberdade para ele, que por sua vez, deve possuir características que refletem este nosso desejo como se fosse dele. O mesmo ocorre com a natureza, e o mesmo deve ocorrer em nossas relações humanas.

Libertamos as outras pessoas pois temos prazer com isso. Mas libertar os outros por prazer é moral?

É muito difícil ter prazer estético quando estamos com alguma dor, com medo de ficar doentes, com medo de perder o emprego, quando estamos preocupados, quando estamos sempre pensando em maneiras de ganhar dinheiro, quando estamos muito determinados em ter os outros prazeres, que não aquele de se sentir livre. Difícil ter prazer com fome, como também é quando somos injustiçados. Precisamos estar livres, agora no sentido negativo de liberdade (conforme Isaiah Berlin), dessas determinações que nos impedem de ter o prazer especial do Belo ou de nos sentir livres.

Com nossa Razão e Sensibilidade Fina sendo desenvolvidas, como desejava Schiller, agimos mais facilmente de forma necessária para libertar a tudo, todo o tempo. Devemos agir para libertar os outros de tudo aquilo que os impede de ter prazer estético, pois assim, teremos nós mesmos este prazer. Agir moralmente é, portanto, agir para libertar os outros para que tenham o prazer estético de se sentir livres. Assim, poderemos nos sentir também livres.

O Belo, a moral e a liberdade estão, dessa forma, eternamente imbricados.

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O trabalho do artista é externar, com sua arte, seu desejo de liberdade para que outros possam sentí-la.

Rachel Roscoe é artista plástica, amante dos animais, da natureza e da liberdade.
Rachel Roscoe é artista plástica, amante dos animais, da natureza e da liberdade.

Minha técnica, a qual intitulei “Circunscritos”, visa reavivar algo que muitas vezes com o tempo e a própria familiaridade se desgasta – a relação com o Belo. A convivência com algo e a intimidade daí advinda, nos torna gradualmente insensíveis virtualmente ao que nos cerca e ao que nos foi, uma vez, motivo de afeto.

Minhas pinturas são compostas pela junção de círculos pintados à mão livre, que evocam o próprio moto-perpétuo de nossas memórias e relações. A partir desses círculos e de conjugações cromáticas e tonais, desconstruo e reconstruo imagens do meu imaginário, diluindo-as como em memórias, buscando a harmonia e a beleza para que sejam disponibilizadas ao observador de uma forma diferenciada.

Rachel Roscoe
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Rachel Roscoe nasceu em Belo Horizonte, MG . Se graduou em Belas Artes pela UFMG ano de 2002. Anteriormente cursou arquitetura por sua paixão já existente pela matemática, em especial pela geometria. Nos anos 2000 criou a técnica “Circunscritos” e vem se destacando no meio artístico e se dedicando, desde então, ao desenvolvimento e possibilidades da mesma. Participou de várias exposições individuais e coletivas no Brasil como no exterior, muitas vezes ganhando destaque por sua forma inovadora de pintar.

Dona de uma pintura peculiar, permeada por uma busca incessante pelo Belo, sua obra reflete uma íntima investigação em vários aspectos da existência da própria artista. Instigada pelo objetivo de encontrar a harmonia através de uma poesia própria, ela propõe uma complexidade na construção da imagem. Seu desafio é, portanto, ter que lidar com essa complexidade proposta para se chegar ao seu objetivo: o de fazer com que razão e sensibilidade se igualem em forças para que surja o Belo.

Sua técnica nos convida ao surpreendente, não nos impondo a imagem, mas nos conduzindo a descobri-la. Ela nos leva ao prazer estético através da tessitura do único, nos aproximando da existência de cada obra, em que razão e sensibilidade, agora em plena harmonia, nos impele a externar, como seres de linguagem, o termo Belo.

E. Siquara

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Como desenvolver a sensibilidade fina e a razão

Para Schiller é preciso desenvolver ambas ao máximo para termos prazer e elevarmos a cultura

Somos ótimos quando o assunto é o desenvolvimento da Razão (que pode nos levar à Bárbarie!), isto desde os tempos de Sócrates. Mas esta abordagem ganhou impulso com o Iluminismo. Devemos ser, ao mesmo tempo, gratos e questionadores desse primórdio da Razão. Devemos tanto às ciências e precisamos continuar nos desenvolvendo em todos os campos científicos (como seria bom se já tivéssemos a cura para o Covid-19). Mas não podemos abrir mão, jamais, de desenvolvermos também essa sensibilidade fina que Schiller chamou a atenção no final do séc. XVIII.

As ciências nos ajudam a desenvolver a razão, assim como a filosofia. As artes nos ajudam a desenvolver a sensibildiade fina, assim como a filosofia. A Filosofia, por mais estranho que possa parecer, pode nos ajudar a desenvolver Razão e Sensibilidade. Para tentarmos entender isto, talvez fosse preciso lermos Schiller e seu amigo e filósofo Fichte (1762 – 1814).

Ah, e quando falamos em ciência, naturalmente estamos incluindo tudo ralacionado a tecnologia.

Nas escolas então, se o argumento aqui apresentado faz algum sentido, deveríamos aprender as ciências, as línguas, as tecnologias, a filosofia e as artes. Estas últimas mais voltadas, mas não exclusivamente, para o sentir, para a liberdade, para o sentimento do Belo e para o prazer estético.

Schiller indicou que levaríamos 100 anos para percebermos uma mudança na cultura. Quem sabe, podemos acelerar um pouco e ver nossos filhos se sentindo verdadeiramente livres.

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