Romantismo por Rosângela Vig

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Que espírito culpado, em seu bosque trevoso,
Não ouviu, daquele hino, o apelo clamoroso?
Dois só; caíram, pois o céu não dá perdão
A quem só ouve o bater do próprio coração.
A angélica donzela e o seráfico amado…
Mas onde estava o amor, o cego amor
Sempre fiel ao Dever austero? (Esforço vão
É buscá-lo na célica amplidão).
Sem guia, o amor caiu desnorteado,
Por entre “prantos de perfeita dor”.
(POE, 1999, p.42)

Al Aaraaf é o mais longo poema de Edgar Allan Poe (1809-1849). Nesse pequeno trecho é possível compreender porque o escritor se tornou o maior representante do Romantismo, nos Estados Unidos, e sua obra, mundialmente reconhecida. Seu estilo foi único, seu escrever deixou à mostra o drama, o mistério e a emoção. Seu romantismo descomedido foi, muitas vezes, pessimista, sombrio e fazia referências à vida após a morte. A um espírito imaginativo o escritor ainda reuniu, nesse poema, elementos mitológicos e fatos históricos.

Fig. 1 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.
Fig. 1 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

A Revolução Industrial e a Revolução Francesa, no final do século XVIII, modificaram o panorama da Europa, do século XIX. Na Arte, foram vários os movimentos que surgiram, fomentados por essas transformações, entre eles, o Romantismo, que acabou por adquirir forças e transitar pela Política, pela Filosofia, pela Música, pela Literatura e pelas Artes. No feitio, ficaram à mostra os traços da sensibilidade, dos exageros, do subjetivismo, das paixões desenfreadas e do virtuosismo. A Arte estreitava seus laços com a Poesia e com a Literatura, por meio das histórias medievais e heroicas; e os ideais nacionalistas passaram a ser valorizados.

Fig. 2 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.
Fig. 2 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Para alguns estudiosos, há uma ligação entre o Neoclássico e o Romantismo, uma vez que, de diferentes formas, é comum a ambos, a busca por um ideal. Quanto à forma, o estilo romântico contrariava o racionalismo e se opunha ao equilíbrio e ao conservadorismo do Neoclássico. Abria-se, com isso, espaço para a exteriorização das emoções do indivíduo, promovendo a valorização do espírito criativo e da imaginação. Coube ao artista, permitir que a liberdade se apoderasse de seu espírito e que o levasse a um criar independente.

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Fig. 3 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.
Fig. 3 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Aquilo que eu dizia há pouco da pintura pode, por certo, aplicar se à poesia. Trata-se apenas de sentir o que é primoroso e ousar exprimi-lo, e isto é, para ser exato, dizer muito em poucas palavras. (GOETHE, 2009, p.30)

A Arquitetura

Esse amor, essa fidelidade, essa paixão não é, pois uma ficção do poeta! Ela vive, ela existe, e em seu estado mais puro, entre a classe de homens que denominamos incultos e nos parecem tão brutos às vezes. (GOETHE, 2009, p.121)

A autonomia deu asas à imaginação dos arquitetos e século XIX foi marcado pelo revivalismo estético. O ecletismo e a liberdade deixaram os artistas livres para perambularem por outros tempos, trazendo de volta a precisão grega e romana que se viu no Neoclássico. No Romantismo, os ideais, o nacionalismo e os exageros foram associados à Idade Média, retomando-se com isso, os estilos Românico e Gótico. Aos arquitetos, coube divagar pelos caminhos do sonho e da fantasia, principais atributos românticos.

Fig. 4 – Interior da Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.
Fig. 4 – Interior da Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Na França, os livros de Victor Hugo 1 (1802-1885), O Corcunda de Notre Dame e Os Miseráveis, podem ter servido de inspiração para as construções da época. A ambientação das obras do escritor levou o arquiteto François Christian Gau (1790-1853) à construção da Basílica de Santa Clotilde, em Paris, finalizada depois, por Théodore Ballu (1817-1885). A igreja, erguida entre 1846 e 1857, foi uma das primeiras edificações neogóticas, característica que fica nítida na forma dos arcos, das portas, e das janelas; nas altas torres de quase 70 metros de altura, que proporcionam uma sensação final de verticalidade. No interior, os vitrais e o órgão construído pelo famoso organista francês da época, Cavaillé-Coll (1811-1889) parecem conduzir a outros tempos.

Fig. 5 – Águia com asas e bico abertos, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida após 1862, em bronze. National Gallery of Art, Washington. Presente de Elizabeth L. Klee.
Fig. 5 – Águia com asas e bico abertos, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida após 1862, em bronze. National Gallery of Art, Washington. Presente de Elizabeth L. Klee.

Entre as várias construções neogóticas da Alemanha, a primeira foi a Igreja Friedrichswerder, de Karl Friedrich Schikel (1781-1841), construída entre 1824 e 1830, em Berlim. É também em Berlim, o distrito Neogótico, do arquiteto Friedrich Waesemann (1813-1879). O estilo ainda está presente na Catedral de Colônia, na cidade alemã, de mesmo nome, cuja construção teve início em 1248 e terminou somente em 1880.

Fig. 6 – Dromedário da Algéria, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida provavelmente após 1862, bronze. National Gallery of Art, Washington. Coleção de Mr. and Mrs. Paul Mellon.
Fig. 6 – Dromedário da Algéria, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida provavelmente após 1862, bronze. National Gallery of Art, Washington. Coleção de Mr. and Mrs. Paul Mellon.

Uma das mais importantes igrejas de Nova York, a Catedral de Saint Patrick (Fig. 1), de James Renwick Jr. (1818-1895) também é neogótica e se destaca em meio à grande cidade, rodeada de prédios modernos. Construída entre 1858 e 1878, a edificação pode acomodar três mil pessoas e ocupa uma quadra inteira da cidade. A sensação verticalidade e de ascensão para Deus fica por conta das imensas torres, que passam dos 100 metros de altura; ou ainda do telhado na forma de cruz. Remetem à religiosidade, os meios arcos ogivais (Figuras 3 e 4), que lembram as mãos em prece e fazem uma referência ao estilo que veio da Idade Média, e se completa a beleza nos vitrais, no piso e nas esculturas.

Fig. 7 – Garota com uma Concha, Jean Baptiste Carpeaux, esculpida entre 1863 e 1867, em mármore. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.
Fig. 7 – Garota com uma Concha, Jean Baptiste Carpeaux, esculpida entre 1863 e 1867, em mármore. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.

Mas a liberdade e o ecletismo da Arquitetura se associou ao movimento, juntou-se às formas orgânicas e ao exótico. O Neogótico ainda está presente na Inglaterra, no Castelo de Westminster (1840-1888); na Baviera, Alemanha, o Castelo Neuschwanstein (1870-1892) é Neorromânico; na França, a Ópera de Paris, de Charles Garnier (1825-1898) é Neobarroca; em Portugal, o Palácio Nacional da Pena, herdou os estilos neogótico, neoislâmico e neorrenascentista.

Fig. 8 – Árabes brigando nas Montanhas, Eugène Delacroix, 1863. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Fund.
Fig. 8 – Árabes brigando nas Montanhas, Eugène Delacroix, 1863. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Fund.

A Revolução Industrial estimulou o uso de novas tecnologias e de novos materiais, como o ferro e o vidro. Nas construções dessa época, o uso da estrutura de metal, demonstrou a versatilidade desse material e antecipou a Art Nouveau. Mas talvez, o traço maior do período, tenha sido a espontaneidade que permitiu aos arquitetos navegarem livremente pela criatividade, abrindo espaço para o moderno.

Fig. 9 – Guerreiro nu com lança, Théodore Gericault, 1816. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.
Fig. 9 – Guerreiro nu com lança, Théodore Gericault, 1816. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.

A Escultura

O curso dos acontecimentos deu ao gênio da época, uma direção que ameaça afastá-lo mais e mais da Arte do ideal. Esta tem de abandonar a realidade e elevar-se, com decorosa ousadia, para além da privação, pois a Arte é filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do espírito, não pela privação da matéria. (SCHILLER, 2002, p.21)

O Romantismo exagerou em expressividade e em dramatismo. A fantasia, o heroísmo e a Literatura andaram de mãos dadas, e resultado não poderia ser mais belo. No entalhe, as esculturas transbordaram em emoção, repletas de expressividade e a sensação foi a de que as imagens se materializaram. Na forma, as esculturas exacerbaram em movimento; e os temas passearam pela fantasia, exaltaram o herói, a natureza e a imaginação do artífice. Os materiais foram o bronze, o mármore e a madeira.

Fig. 10 – Paisagem de Primavera no Norte, Caspar David Friedrich, 1825. National Gallery of Art, Washington. Patrons' Permanent Fund.
Fig. 10 – Paisagem de Primavera no Norte, Caspar David Friedrich, 1825. National Gallery of Art, Washington. Patrons’ Permanent Fund.

Entre os principais escultores franceses estão Antoine-Louis Barye (1796-1875), seguido de Jean-Baptiste Carpeaux (1827-1875) e de François Rude (1784-1855), que teve participação no alto relevo do Arco do Triunfo de Paris, com a obra A Partida dos Voluntários.

Fig. 11 – A Balsa de Rotterdam, Joseph Mallord William Turner, 1833. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.
Fig. 11 – A Balsa de Rotterdam, Joseph Mallord William Turner, 1833. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.

Na figura 5, Barye deixou nítida a grande característica de sua obra, que foi a representação de animais, embora seu trabalho tenha também passado pela anatomia. A águia com asas abertas, parece estar pronta para alçar voo ou para um ataque. Em sua outra obra um cavalo atacado por um tigre faz inútil tentativa de se levantar. Ele se contorce de dor, ao perceber a morte iminente. O ênfase na expressão dispensa detalhes, como foi o pensamento do escultor do período.

Fig. 12 – Veneza: A Alfândega e San Giorgio Maggiore, Joseph Mallord William Turner, 1834. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.
Fig. 12 – Veneza: A Alfândega e San Giorgio Maggiore, Joseph Mallord William Turner, 1834. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.

Já a Garota com a Concha, na figura 7, de Carpeaux, apresenta uma expressão alegre e jovial, exibe-se com graça e leveza. Completa-se a inocência da cena, um sorriso da menina, que parece se divertir com a brincadeira, mesclando seus cachos às ondulações da concha que segura na cabeça. Entre as famosas obras de Carpeaux, estão Hugolino e seus filhos, exposta no Metropolitan, Nova York; e a Dança, no Museu de Orsay, Paris. Com poucas posses, o escultor chegou ter vários empregos e a pagar cursos para se aperfeiçoar. Sua liberdade e a possibilidade de explorar sua criatividade entretanto, vieram somente com o reconhecimento de seu trabalho.

Fig. 13 – Marinheiros carregando carvão à luz da lua, Joseph Mallord William Turner, 1835. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.
Fig. 13 – Marinheiros carregando carvão à luz da lua, Joseph Mallord William Turner, 1835. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.

A Pintura

O que me consome o coração é essa força dominadora que se oculta sob a totalidade da natureza e que nada produz que não destrua o que a rodeia e, por fim, a si mesmo… E assim vagueio atormentado por aí. Céu, terra e suas forças ativas em volta de mim! Nada vejo senão um monstro que engole eternamente e eternamente volta a mastigar e a engolir. (GOETHE, 2009, p.82)

A Literatura romântica exaltou a paixão, o amor platônico e a natureza, rejeitou a moderação e se deixou levar pelos exageros. Na Pintura, esse descomedimento ficou por conta dos espaços que passaram a ser grandiosos, abertos, próximos da natureza e do exótico. Os sentimentos passaram a ser evidenciados e valorizados. O lirismo das cenas bucólicas eram uma rejeição ao conservadorismo. Ficou a nítida sensação de espiritualidade, de cor, de anseio pelo infinito (BAUDELAIRE in BLUGLER, 2014, p.235). O Romantismo se tornou distante do Neoclássico.

Fig. 14 – O Rapto da Proserpina, Joseph Mallord William Turner, 1839. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. Watson B. Dickerman.
Fig. 14 – O Rapto da Proserpina, Joseph Mallord William Turner, 1839. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. Watson B. Dickerman.

Antecipando a Arte Moderna, a cor passou a ser usada com maior intensidade, por meio de manchas, com linhas sinuosas, sugerindo o drama e o dinamismo, sem preocupação com a exatidão das formas. Mas o Romantismo ainda perambulou pelos diversos países, com diferentes feições. Na França, Eugène Delacroix (1798-1863) e Théodore Géricault (1791-1824) enfatizaram a cor e o heroísmo. A religiosidade e a precisão foram as marcas do estilo, na Alemanha, com Caspar David Friedrich (1774-1840). Na Inglaterra, William Turner (1775-1851) acentuou a mancha de cor e William Blake (1757-1827) exagerou na excentricidade. E as imagens sombrias de Francisco de Goya (1746-1828) foram as grandes representações românticas na Espanha. A Arte se tornava sublime.

Fig. 15 – A Alfândega e Santa Maria da Saúde, Veneza, Joseph Mallord William Turner, 1843. National Gallery of Art, Washington. Dado em memória do governador Alvan T. Fuller by The Fuller Foundation, Inc.
Fig. 15 – A Alfândega e Santa Maria da Saúde, Veneza, Joseph Mallord William Turner, 1843. National Gallery of Art, Washington. Dado em memória do governador Alvan T. Fuller by The Fuller Foundation, Inc.

Pintada um pouco antes da morte de Delacroix, a obra Árabes lutando nas Montanhas (Fig. 8), deixou a clara dramatização de uma luta. Num primeiro plano da cena, um cavalo se contorce, no chão; o cavaleiro e a carga estão caídos, evidenciando um combate. Num segundo plano, há pessoas correndo, com armas e sobre cavalos. No terceiro plano, o solo rochoso conduz a um castelo, ao fundo da cena. A imagem se completa com o uso impecável da cor, no azul do céu, no vermelho e no branco das roupas dos personagens, contrastando com os tons pasteis do solo e da montanha.

Fig. 16 – A Última Ceia, William Blake, 1799. National Gallery of Art, Washington. Rosenwald Coleção.
Fig. 16 – A Última Ceia, William Blake, 1799. National Gallery of Art, Washington. Rosenwald Coleção.

Considerado o precursor do Impressionismo, Turner representou muito bem o Romantismo. Sua forma de trabalhar com a cor, em manchas, lembra imagens embaçadas, nuvens em movimento, anunciação de tempestades e, acima de tudo, a pequenez humana diante da grandiosidade da natureza. Na figura 11, o mar e o céu parecem conspirar contra os barcos em movimento. A desordem das nuvens e a agitação da água são prenúncios das forças descomunais da natureza. São arrebatadores, na Veneza de Turner (Fig. 12) a justeza do azul do céu e seu reflexo no mar. É onde está espírito da obra; é o que conduz o olhar para dentro da cena e convida a perceber até mesmo o calor que o sol irradia, em sua tentativa de se expor, em meio às ralas nuvens. A cena dos marinheiros carregando carvão (Fig. 13) é embaçada e o protagonista é a lua. Sua luz é gradativa, absorve, aos poucos, a paisagem, convergindo o olhar para o centro. O mar é apenas um espelho da claridade, dos barcos e da vida. Foi impecável o uso das técnicas de perspectiva e de ponto de fuga. A inexatidão das imagens, a intensidade da cor, as linhas sinuosas e os efeitos da luz natural, são os traços inconfundíveis de Turner, que mais tarde foram explorados pelos impressionistas.

Fig. 17 – Don Antonio Noriega, Francisco de Goya, 1801. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.
Fig. 17 – Don Antonio Noriega, Francisco de Goya, 1801. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.

E talvez tenham vindo de Goya as imagens mais chocantes do Romantismo. A liberdade estética deixou clara a indignação do artista, diante das injustiças e da opressão, quando a Espanha foi invadida pelas tropas de Napoleão, que mandou fuzilar os rebeldes, em 1808. Sua revolta contra os opressores o levou a produzir a obra Três de Maio de 1808 2 (Fig. 20), cujo tema inspirou Picasso, em Guernica, de 1937. Na obra de Goya, ficou impresso o horror e o medo dos civis, encurralados, em meio à escuridão da noite, ao lado de corpos empilhados. Intensificam o caráter expressivo da obra, o sangue jorrando no chão e o homem desarmado, ao centro, de braços abertos, aterrorizado. Por meio da dramaticidade, o artista deixou claro seu estado de espírito e sua aversão à tirania. Goya trabalhou com os efeitos de luz, com a intensidade cromática, e com a cor em manchas; mas sobretudo valorizou e exaltou as emoções, principal caráter do Romantismo.

Não vejo linhas ou detalhes, não há razão para
meu pincel ver mais que eu.
(GOYA in BUGLER, 2014, p.245)

Considerações Finais

Por que é que as coisas tem de ser assim, e o que faz a felicidade do homem se transformar também na fonte de sua desgraça.
A plena e cálida sensibilidade de meu coração para com a natureza viva, em que me inundava de tantos deleites, a ponto de fazer com que o mundo a meu redor se tornasse um paraíso, transformou-se agora, para mim, num insuportável carrasco, num gênio torturador, que me persegue por toda a parte. (GOETHE, 2009, pp.79, 80)

Fig. 18 – Jovem usando mantilha e basquina, Francisco de Goya, 1800-1805. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. P.H.B. Frelinghuysen.
Fig. 18 – Jovem usando mantilha e basquina, Francisco de Goya, 1800-1805. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. P.H.B. Frelinghuysen.

É da liberdade que fala a Arte do século XIX, mas sobretudo do idealismo e dos valores éticos, porque trouxe à tona emoções, valores e princípios. Para Schiller (1759-1805), a liberdade estética seria capaz de promover um aprimoramento da ética e da moral. O escritor alemão acreditava que,

No estado físico o homem apenas sofre o poder da natureza; liberta-se deste poder no estado estético; e o domina no estado moral. Que é o homem antes de a beleza suscitar-lhe o prazer livre e a forma serena abrandar-lhe a vida selvagem? Eternamente uniforme em seus fins, alternando eternamente em seus juízos, egoísta sem ser ele mesmo, desobrigado sem ser livre, escravo sem servir uma regra. (SCHILLER, 2002, p.119)

E Schiller estava certo. Para ele, a educação seria uma forma de equilíbrio da sociedade e o caminho estava na Arte e na Estética. Isso porque a contemplação de uma obra nos coloca em contato com os sentimentos do bem e nos suaviza o estado selvagem. Pelo Belo, o espírito é conduzido à liberdade, e por consequência, ao estado ético.

Fig. 19 – Senhora Sabasa Garcia, Francisco de Goya, 1806-1811. National Gallery of Art, Washington. Andrew W. Mellon Coleção.
Fig. 19 – Senhora Sabasa Garcia, Francisco de Goya, 1806-1811. National Gallery of Art, Washington. Andrew W. Mellon Coleção.

O Romantismo ainda deixou suas marcas na Literatura e, em 1774, Goethe (1749-1832) abalou a sociedade alemã, com os Sofrimentos do Jovem Werther. O amor platônico, a paixão devastadora e a tristeza profunda de Werther podem ter inspirado os suicídios que ocorreram na Alemanha, na época. Na Inglaterra, Lord Byron (1788-1824) produzia o poema Don Juan (1818-1823); e Horace Walpole (1717-1797) iniciava o romance gótico com O Castelo de Otranto (1764). Na França, A Bela e o Monstro, a versão mais antiga para A Bela e a Fera foi em 1756, por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont (171-1780) que adaptou o tradicional conto de fadas de Gabrielle-Suzanne Barbot (1695-1755). Ainda na França, Victor Hugo (1802-1885) lançava, em 1831, O Corcunda de Notre-Dame e em 1862, Os Miseráveis, que teve sete mil exemplares vendidos em 24 horas. Nos Estados Unidos, Edgar Allan Poe se tornava um dos maiores representantes do Romantismo sombrio, por meio da melancolia e da irracionalidade.

Mas em meio a tanta riqueza desse período, o principal legado foi o espírito livre e apaixonado pela verdade e pelo bom. A Arte do século XIX se tornava um meio de expor ideais, de deixar estampadas as questões éticas e morais. Tais condições deixaram traços que mudariam para sempre o sentido da Estética e que acabariam por culminar na Arte Moderna, no século XX.

Fig. 20 – Os Fuzilamentos de 3 de maio, Francisco de Goya, 1814. Museo del Prado.
Fig. 20 – Os Fuzilamentos de 3 de maio, Francisco de Goya, 1814. Museo del Prado.

E é de Edgar Allan Poe o poema que termina esse texto.

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada
Para esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais –
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
“É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais”.
(POE, 2008, p.45)

É certo em todo caso, que nesse mundo não há coisa mais necessária ao homem do que o amor. (GOETHE, 2009, p.78)

1 Victor Hugo foi escritor e atuou na política. Suas obras mais famosas, O Corcunda de Notre Dame (1831) e Os Miseráveis (1862).

2 Vídeo sobre a obra Os Fuzilamentos de 3 de maio, Francisco de Goya, do Museu do Prado: www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-3-de-mayo-en-madrid-o-los-fusilamientos/5e177409-2993-4240-97fb-847a02c6496c

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Referências:

  1. BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
  2. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  3. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
  4. COSTA, Cláudio Manuel da. Poemas Escolhidos. Rio de Janeiro: Editora Saraiva, 2014.
  5. EAGLETON, Terry. A Idéia de Cultura. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
  6. FARTHING, Stephen. Tudo Sobre a Arte. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
  7. GOETHE, Johann Wolfgang. Os Sofrimentos do Jovem Werther. Porto Alegre: Ed. L & PM. 2009.
  8. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  9. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
  10. MASSAUD, Moisés. A Literatura Brasileira através dos Textos. São Paulo Ed.Cultrix, 2000.
  11. PESSOA, Fernando. Mensagem – Obra Poética I. Porto Alegre: Ed. L & PM. 2006.
  12. POE, Edgar Allan. A Filosofia da Composição. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. Tradução: Léa Viveiros de Castro.
  13. POE, Edgar Allan. Poemas e Ensaios. São Paulo: Editora Globo, 1999.
  14. POE, Edgar Allan. The Complete Poetry. New York: Penguin Group, 2008.
  15. SCHILLER, Friedrich Von. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2002.
  16. SCHILLER, Friedrich Von. Fragmentos das Preleções sobre Estética. Belo Horizonte: Ed. UFMG – Departamento de Filosofia, 2004.
  17. VIG, Rosângela Araújo Pires. DA ARTE COMO COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO COMO ARTE. Comunicação, Cultura e Mídia, Uniso, Sorocaba: 2010. Disponível em:
    comunicacaoecultura.uniso.br/prod_discente/2010/pdf/Rosangela_Vig.pdf

As figuras:

Fig. 1 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Fig. 2 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Fig. 3 – Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Fig. 4 – Interior da Igreja de Saint Patrick, Nova York, Estados Unidos, Miguel Vig Filho.

Fig. 5 – Águia com asas e bico abertos, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida após 1862, em bronze. National Gallery of Art, Washington. Presente de Elizabeth L. Klee.

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Fig. 6 – Dromedário da Algéria, Antoine-Louis Barye, data do modelo desconhecida, fundida provavelmente após 1862, bronze. National Gallery of Art, Washington. Coleção de Mr. and Mrs. Paul Mellon.

Fig. 7 – Garota com uma Concha, Jean Baptiste Carpeaux, esculpida entre 1863 e 1867, em mármore. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.

Fig. 8 – Árabes brigando nas Montanhas, Eugène Delacroix, 1863. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Fund.

Fig. 9 – Guerreiro nu com lança, Théodore Gericault, 1816. National Gallery of Art, Washington. Chester Dale Coleção.

Fig. 10 – Paisagem de Primavera no Norte, Caspar David Friedrich, 1825. National Gallery of Art, Washington. Patrons’ Permanent Fund.

Fig. 11 – A Balsa de Rotterdam, Joseph Mallord William Turner, 1833. National Gallery of Art, Washington. Ailsa Mellon Bruce Coleção.

Fig. 12 – Veneza: A Alfândega e San Giorgio Maggiore, Joseph Mallord William Turner, 1834. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.

Fig. 13 – Marinheiros carregando carvão à luz da lua, Joseph Mallord William Turner, 1835. National Gallery of Art, Washington. Widener Coleção.

Fig. 14 – O Rapto da Proserpina, Joseph Mallord William Turner, 1839. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. Watson B. Dickerman.

Fig. 15 – A Alfândega e Santa Maria da Saúde, Veneza, Joseph Mallord William Turner, 1843. National Gallery of Art, Washington. Dado em memória do governador Alvan T. Fuller by The Fuller Foundation, Inc.

Fig. 16 – A Última Ceia, William Blake, 1799. National Gallery of Art, Washington. Rosenwald Coleção.

Fig. 17 – Don Antonio Noriega, Francisco de Goya, 1801. National Gallery of Art, Washington. Samuel H. Kress Coleção.

Fig. 18 – Jovem usando mantilha e basquina, Francisco de Goya, 1800-1805. National Gallery of Art, Washington. Presente de Mrs. P.H.B. Frelinghuysen.

Fig. 19 – Senhora Sabasa Garcia, Francisco de Goya, 1806-1811. National Gallery of Art, Washington. Andrew W. Mellon Coleção.

Fig. 20 – Os Fuzilamentos de 3 de maio, Francisco de Goya, 1814. Museo del Prado.

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