
Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.
Molho o pincel no azul do mar,
no fogo do céu,
na macia prata da neblina
que cobre a montanha.
Molho o pincel
na luz do girassol,
no corpo verde da esperança,
e no papel em branco
vão surgindo manchas:
uma casa, um rio, e muito longe
uma menina com as mãos cheias de estrelas.
(MURRAY, 2005, p.36)
As linhas vão surgindo e se erguem no espaço em branco muito convidativo. O lápis, a caneta ou o pincel deslizam sobre a superfície ávida por receber a ideia que insiste em tagarelar na cabeça do poeta ou do pintor. E a mão vai correndo solta, livre e sem medo. O papel vai descortinando seu espaço e descobrindo suas curvas pela letra, pela cor, pela forma. O que então era simples pensamento vai agora encantar corações, soltar os nós das gargantas, aliviar pesos de almas e expandir universos. O papel tem sido testemunha de tantos desabafos, de inúmeras viagens do espírito, de acordos e de desacordos. Ele está no primeiro caderno da escola; no cheiro do livro novo, à cabeceira da cama; no diário secreto de adolescente; ou num bilhetinho arrebatador e apaixonado.
O segredo, guardado pelos chineses por quase 800 anos, é hoje um dos produtos mais consumidos do mundo. Antes mesmo do papel, a escrita já era gravada em pedra no Egito Antigo. O primeiro material que serviu de suporte para a escrita foi o Papiro, criado pelos egípcios da Antiguidade, ainda no século 40 a.C., feito a partir de uma planta muito comum na região (Fig. 12). Na mesma época, em outros lugares do mundo, surgia o Pergaminho, produzido a partir de pele de bezerro, de cabra ou de carneiro, utilizado inclusive durante a Idade Média. A escrita ainda chegou a ser registrada em madeira; nas espadas e armaduras; em metais como o ferro, o cobre, a prata e o ouro; e as cascas de árvores cozidas que os Maias e os Astecas transformavam em uma espécie de tecido com o qual faziam livros ilustrados.
Antes da invenção do papel, os chineses chegaram a utilizar lâminas de bambu e seda como suporte para a escrita. A partir de restos de corda e de cascas de árvore produziram uma fibra que, por ser mais barata, substituía a seda. Somente no século XII essa invenção chegou à Europa e, em 1440, a imprensa ajudou a expandir o uso do papel. No Brasil, o papel chegou primeiro ao Rio de Janeiro, depois a São Paulo, em 1809, com a vinda da Família Real.
E a folha que serve de suporte ao Conto, à Poesia, ao Desenho, ou à Pintura, pode ser produzida de talos de bananeira, de varas de bambu, de folhas de abacaxi e até mesmo de cascas de cebola, além de poder ser reciclado e servir novamente ao artista e ao poeta. O papel conta com alguns museus pelo mundo, como o Museu do Papel de Tokyo 1 e o de Portugal 2, onde é possível saber um pouco mais sobre a História do Papel; conhecer equipamentos em que eram produzidos; além de apreciar as obras desse material tão antigo e apreciado.
- Fig. 1 – Criação do Papel, Rita Caruzzo, Colagem de folhas naturais sobre papel; Papel São Paulo, gramatura 600, Moinho Brasil, 2019.
- Fig. 2 – Há um Tronco no Meio do Caminho, Sônia Botture, Fotografia; Papel Bambu Velho, Moinho Brasil, 2019.
- Fig. 3 – Queimadura em Terceiro Grau número 2, Fábio Souza, Eletricidade e Fogo com Pirógrafo sobre papel; Papel Veredas, Moinho Brasil, 2019.
- Fig. 4 – Paisagem X, Série Paisagens, Fátima Lourenço, Pintura em aquarela prateada sobre papel Reciclado; Bananeira Pigmentada, gramatura 90, Moinho Brasil, 2020.
- Fig. 5 – O Peixe, Paulo Sayeg, Técnica mista; Papel Apara e Arroz, Moinho Brasil, 2019.
Na Arte, cada tipo de papel pode proporcionar um efeito diferente dependendo de sua acidez, de sua gramatura, de sua textura, ou ainda da técnica utilizada pelo artista, levando o olhar de quem aprecia ao deleite, pelos caminhos do Belo ou do Sublime.
A instalação de Rita Caruzzo (Fig. 1) inicia esse passeio por um lindo caminho de folhas, das quais se originam o próprio papel. Como se despencassem, elas preenchem o solo e por ali caminham, coloridas, tecendo desenhos, pinturas e colagens. No meio do caminho, o tronco (Fig. 2) que perdeu suas folhas de Sônia Botture, está inerte e ressequido, como se buscasse um alento na água do mar, protegido sob o manto azul do céu. Com a técnica do pirógrafo, a folha de papel foi queimada com eletricidade e fogo, pelas mãos do artista Fábio Souza, que construiu uma cena desoladora (Fig. 3) e sem vida, amenizada pelas pequenas folhas verdes que parecem teimar em viver. A Paisagem X de Fátima Lourenço (Fig. 4) está repleta de natrureza. Representada pelo delicado monocromático, o fundo escuro evidencia a cor prata de sua aquarela, como se tecesse um lindo bordado. O Peixe de Paulo Sayeg (Fig. 5) nada livremente no mar azul sob os reflexos que permeiam a água. Com técnica mista é possível reconhecer linhas de tons azul e lilás que se intercalam para proporcionarem os efeitos de claro e de escuro. Passeando ainda pelos temas da natureza, o Flamingo rosa de Flavie observa o verde indizível do mar.
A moça sentada de Ana Vig 3 (Fig. 7) é uma conhecida apresentadora. Perfeita na cor e na forma, ela está sentada em elegante gesto, com delicados efeitos de sombra e de luz. Feita com a técnica da aquarela, ela é protagonista da cena sobre o fundo branco. A moça de Ana Bittar (Fig. 8) foi trabalhada com a técnica do pastel seco. Ela representa o período de reclusão, usa máscara e está sem o famoso brinco de pérola que a tornou tão conhecida. A outra moça (Fig. 9) está na obra de Paulo Lionetti e foi trabalhada com a técnica da colagem sobre cartão, coim o fundo colorido em spray. O gesto lento e sensual feminino se destaca em meio ao colorido a seu redor. A obra é uma releitura da conhecida pintura de Modigliani.
- Fig. 6 – Flamingo, Flavie Arte, Arte Digital sobre Papel, Moinho Brasil, 2020.
- Fig. 7 – Paola, por Ana Vig (@anacvig); Papel Etival para aquarela, gramatura 300; Clairefontaine, 2020.
- Fig. 8 – A garota sem Pérola, Ana Bittar, Pastel seco, Papel Bahia; Moinho Brasil, 2019.
- Fig. 9 – A Diva do Divã, Releitura da Obra de Modigliani, Paulo Lionetti, Colagem sobre cartao com fundo em spray, 2020.
- Fig. 10 – Olhar de Esperança. Maurício Gigante, Aerografia sobre papel; Papel Apara Bambu 59; Moinho Brasil, 2019.
O índio de Maurício Gigante (Fig. 10) foi trabalhado com a técnica da aerografia e sua expressão de esperança condiz com o olhar expressivo para um futuro. Também por meio da colagem, Rogério Carnaval (Fig. 11) caminhou pelo campo abstração, permitindo que as cores fortes bem distribuídas se alternassem entre o preto e o branco. Como um jardim repleto de flores do campo, a obra de Malu Renó (Fig. 12) parece plena e harmoniosa, com movimento, luz e vida. A abstração permite que a alma divague feliz pelas cores e pelas formas. Suas borboletas voejam sobre esse lindo jardim.
Ainda há que se falar do Origami, a linda Arte da Dobradura, oriunda do Japão, cuja matéria-prima também é o papel. A Flor de Natal Vermelha (Fig. 13) de Lucas Alberto é simétrica e suas linhas perfeitas parecem ser tecidas pela natureza. Elas se entrelaçam, como se estivessem, em infindável movimento de subir e descer. O Tsuru (Fig. 14) de Vânia Matsubara 4, em delicadas cores, parece vivo e prestes a alçar vôo, levando saúde, paz e harmonia para o mundo em ebulição. No Japão, segundo as crenças, os Deuses atendem pedidos da pessoa que fizer mil Tsurus; e é comum presentear enfermos com essas dobraduras, para desejar saúde à pessoa. De origem incerta, a técnica do Quilling já era utilizada durante a Idade Média. O trabalho minucioso e delicado em que tirinhas de papel são enroladas, formando lindos desenhos e rococós também é feito em papel e exige não somente habilidade do artista, mas a criatividade e suas divagações pelos mundos imaginários. A caixinha da Filó (Fig. 15) já é um lindo presente, ainda que dentro dela estejam apenas os sonhos e as aspirações mais profundas que a inocência puder criar. Lá dentro podem estar as folhas que caem sobre o chão, da Rita; o tronco ressequido da Sônia, que se transforma numa linda árvore, reconstruindo toda a floresta do Fábio.
Mais que encantar o olhar, a Arte tem servido como uma Terapia a quem vê e a quem a produz. O papel entra nisso tudo como o grande aliado tão próximo e sempre à mão para o que a mente imaginar e o que o espírito livre disser e desejar. Se houver uma caneta, um lápis ou um pincel pode-se escrever sobre ele, desenhar ou pintar. Se nada houver, apenas as mãos irão trabalhar e ir dobrando o papel até que as imagens vão surgindo alegres, saltitantes e leves.
- Fig. 11 – Sem Título, Rogério Carnaval, Colagem sobre papel; Papel Apara Bambu 59, Moinho Brasil, 2019.
- Fig. 12 – Impulso, da série Fragmentos, Malú Renó, Caneta Magic Color sobre papel, Papel Canson, 2019.
- Fig. 13 – Flor de Natal, Lucas Alberto, Origami, papel especial para Origami trazido do Japão, 2019.
- Fig. 14 – Tsuru, Vânia Matsubara, Origami, papel especial para Origami trazido do Japão, 2020.
- Fig. 15 – Caixa de Presente para Criança com Fundo Baixo, Filó, Quilling, papel Colorplus, 2020.
- Fig. 16 – Papiro, planta, Miguel Vig Filho, 2020.
Notas:
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1 Museu do Papel de Tokyo, Japão:
www.youtube.com/watch?v=GYuKA–QyxQ
2 Museu do Papel de Santa Maria, Portugal:
www.youtube.com/watch?v=F24BpVER3RY
3 Ana Vig:
www.instagram.com/anacvig/?hl=pt-br
4 Vânia Matsubara:
bazarpopular.com.br/porfolio-1
Referências:
- BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
- CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte.Publifolha, S.Paulo, 2014.
- SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1977.
- GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
- HAUSER, Arnold.História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
- ROCHA, Ruth; ROTH, Otávio. O Livro do Papel. Sáo Paulo: Editora Melhoramentos, 2005.
- MURRAY, Roseana. Pêra, Uva ou Maçã? São Paulo: Editora Scipione, 2005.
- VIG, Rosângela Araújo Pires. DA ARTE COMO COMUNICAÇÃO À COMUNICAÇÃO COMO ARTE.Comunicação, Cultura e Mídia, Uniso, Sorocaba: 2010. Disponível em comunicacaoecultura.uniso.br/prod_discente/2010/pdf/Rosangela_Vig.pdf Acesso em 25 de outubro de 2020.
ROSÂNGELA VIG
Sorocaba – São Paulo
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