O Rococó no Brasil por Rosângela Vig

Você também pode ouvir esse artigo na voz da própria Artista Plástica Rosângela Vig:

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Rosângela Vig é Artista Plástica e Professora de História da Arte.

Eu vivo nas tuas igrejas
E sobrados
E telhados
E paredes.
Eu sou aquele teu velho muro
Verde de avencas
Onde debruça
Um antigo jasmineiro,
Cheiroso,
Na ruinha pobre e suja.
Eu sou estas casas
Encostadas
Cochichando umas com as outras.
Eu sou a ramada
Dessas árvores,
Sem nome e sem valia,
Sem flores e sem frutos,
De que gostam
A gente cansada e os pássaros vadios.
(CORALINA, 2004, p.38)

Pode ser que um Brasil ainda antigo esteja vivo em algumas ruazinhas de nosso país. Emoldurado por suas janelinhas, portinhas e igrejas, o tempo permaneceu inalterado nas cidades históricas, em suas ruas, suas vielas, seus becos. É como se a memória insistisse em sobreviver, em meio a telhados, fachadas, esculturas e pinturas. Fechando-se os olhos, é possível ouvir o burburinho de outros tempos, o arrastar de passos e o tropel de crianças em alegres brincadeiras e correrias, pelas ruas. A Arte, assim fala ao pensamento, por meio de preciosos vestígios que a História deixou como pegadas dos séculos.

E os sinais de outros tempos, da segunda metade do século XVIII, foram deixados nas cidades históricas mineiras de São João Del Rey, de Ouro Preto, de Congonhas do Campo, entre outras. Há ainda testemunhos desse século em Belém, em vários lugares de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro. O então Rococó, vinha da Europa, onde se apresentava com um sentido decorativo e ornamental, levando à ideia de um alegre viver. Aqui, quando essa tendência despontou, misturou-se com a última fase do Barroco, e muitas vezes foi confundido também com o Neoclássico, que chegou um pouco mais tarde, junto com a Missão Francesa.

Fig. 1 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Salvador, Bahia. Foto: Franck Camhi.
Fig. 1 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Salvador, Bahia. Foto: Franck Camhi.

Os graciosos elementos, a minuciosa decoração e a leveza ganharam espaço na Arte brasileira, mas foi no mobiliário conhecido como estilo Dom João V e na Arquitetura, que esse estilo se manifestou com mais proeminência. Ao contrário do Rococó europeu, o nosso ficou mais evidente nos temas religiosos.

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No Brasil colonial, a Arte brasileira via nascerem raminhos, conchas, anjos e guirlandas entre os elementos decorativos. Nas igrejas e nas construções, a linhas arquitetônicas simétricas, claras, evidenciavam um estilo limpo que traduzia a sensação de equilíbrio. Na transição entre o Barroco e o Rococó, as construções se carregaram da sensação de leveza e de iluminação.

Um exemplar do Rococó brasileiro, é a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (Fig. 1), no Centro Histórico de Salvador. A fachada, construída por mestre Caetano José da Costa em 1780, tem estilo Rococó. Já o retábulo é de 1871, aos moldes neoclássicos, do artista João Simões F. de Souza. Na parte externa, o tom azul da parede reforça o relevo e a brandura das linhas e dos frisos que emolduram janelas e que contornam toda a construção. Os campanários, duas altivas torres laterais, tem como acabamento um coruchéu, concluído por bulbos sobrepostos, revestidos por azulejos. As torres se completam com quatro pináculos, no topo de cada uma.

Fig. 2 – Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, Bahia. Foto: Rhea Sylvia Noblat.
Fig. 2 – Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, Bahia. Foto: Rhea Sylvia Noblat.

Ainda em Salvador, na Bahia, a conhecida Igreja de Nosso Senhor do Bonfim (Fig. 2) atesta sua fachada, aos moldes do Rococó, embora seu estilo predominante seja o Neoclássico. Há azulejaria e afrescos, na construção, que é um ícone da fé cristã e que seguiu os padrões das igrejas portuguesas do período. Fica nítido o afastamento do Barroco, nas paredes claras, nas linhas simétricas e retas, presentes nos delicados detalhes da parte externa.

No centro do Rio de Janeiro, a igreja de Santa Rita também atesta esse trânsito entre os estilos e guarda um pouco da História, em meio aos modernos edifícios da cidade. Sua construção foi aos moldes do Barroco, mas em 1759, seu interior, o frontão e o coruchéu foram modernizados para o Rococó. Os bulbos e os pináculos na torre erguem-se expressivos e seu interior tem a decoração típica do Rococó, com uso do dourado, dos desenhos de flores e o uso de conchas.

A graciosa igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto também faz parte dessa fase de transição. Seu projeto e algumas esculturas do interior são atribuídos a Aleijadinho. É do Barroco, a parte externa da igreja. É de Mestre Ataíde a pintura no teto (Fig. 3), já apresentando traços do Rococó. Na imagem, abre-se o teto da igreja, com a Virgem, em seu manto, ao centro, olhando serenamente para baixo, em um gesto de abençoar, cercada de nuvens e de anjos músicos. Ela tem os traços de uma mulata, característica inovadora para a época, que remetia para a realidade do Brasil. A cor azul, ao fundo da imagem, dá saliência e relevância à cena, que ainda é decorada por delicadas linhas ornamentadas por conchas, desenho típico do Rococó.

Fig. 3 – Igreja de São Francisco de Assis, teto, com pintura de Mestre Ataíde. Foto: Museu Aleijadinho.
Fig. 3 – Igreja de São Francisco de Assis, teto, com pintura de Mestre Ataíde. Foto: Museu Aleijadinho.

Muitos dos escultores que estiveram presentes no Barroco brasileiro, acabaram por adotar o Rococó em suas obras, entre os quais Manuel da Costa Ataíde (1762-1830) e Antônio Francisco Lisboa (1730-1814), o Aleijadinho. E ainda é válido citar os nomes de José Pereira Arouca (1733-1795) e de Francisco Xavier de Brito (provavelmente 1715-1751).

No Brasil, o Rococó ficou registrado em ruazinhas, em igrejas de várias cidades e nesses lugares onde o tempo parece não ter passado. Por essas bandas, a vida parece transcorrer da forma costumeira e a Arte parece ter sido incorporada à paisagem. O tempo que parece minguado, os passos apressados e largos que se arrastam no dia a dia, parecem esconder tanta riqueza. Mas a Arte é obstinada, teima estar nos caminhos, escondida, aguardando um olhar maravilhado, sobre sua forma, sobre sua cor, para que tenha valido a pena a pincelada do artista, o entalhe do escultor e o cálculo do arquiteto.

Dar a qualquer matéria
A aritmética do metal
Dar lâmina ao metal
E à lâmina, alumínio.

Dar ao número ímpar
O acabamento do par
Então ao número par
O assentamento do quatro.

Dar a qualquer linha
Projeto a pino de reta,
Dar ao círculo, sua reta
Sua racional de quadrado.

Dar à escultura, o limpo,
De uma máquina de Arte
Por sua vez, capaz da Arte
De dar-se um espaço explícito.

(MELO NETO, 1975 p.12)

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Referências:

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  1. BAYER, Raymond. História da Estética. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. Tradução de José Saramago.
  2. CHILVERS, Ian; ZACZEK, Iain; WELTON, Jude; BUGLER, Caroline; MACK, Lorrie. História Ilustrada da Arte. São Paulo: Publifolha, 2014.
  3. CORALINA, Cora. Cora Coralina, Melhores Poemas. São Paulo: Editora Global, 2004.
  4. GOMBRICH, E.H. A História da Arte. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.
  5. HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
  6. MELO NETO, João Cabral. Museu de Tudo. São Paulo: Ed. José Olympo, 1975.
  7. SCHILLER, Friedrich Von. A Educação Estética do Homem. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2002.

As figuras:

Fig. 1 – Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Salvador, Bahia. Foto: Franck Camhi.

Fig. 2 – Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, Bahia. Foto: Rhea Sylvia Noblat.

Fig. 3 – Igreja de São Francisco de Assis, teto, com pintura de Mestre Ataíde. Foto: Museu Aleijadinho.

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